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sexta-feira, 3 de maio de 2013

Pecado Capital


O pai, sentado à mesa, preenchia as palavras-cruzadas enquanto aguardava o jantar que seria servido tão logo sua esposa terminasse a luta que travava com um frango a passarinho.

“- Capital do Egito, 5 letras, termina com O.” – lê em voz alta o marido, na espera de um socorro divino.

“- Quito.” – Responde a mãe enquanto finalmente vence o frango, por nocaute técnico.

“- Brigado!”

Alguns minutos se passam em um silêncio incriminador, quando inexoravelmente o momento se precipita.

“- Tem alguma coisa errada aqui, deu problema com o “seu” Quito mãe.”-Incriminou o pai, justo quando o frango voava, feito passarinho, para a mesa.
“- Apresentador casado com Angélica é o Luciano Huck não é ?”
“- Quem ?” Questionou a mãe mais preocupada com os dedos que queimavam à bandeja.
“- Aquele narigudo, que tem apresenta o Caldeirão do Huck.”
“- É o Luciano Huck !” Afirmou peremptoriamente a mãe como quem salva o dia.
“- Então Quito não é a capital do Egito; e foi você que disse...”
“- Então não sei...” Conclui a mãe.
“- Cairo...”
O pai e a mãe se olharam procurando no olhar cúmplice do cônjuge , o autor da exclamação feita quase ao acaso. Então os quatro olhos se voltaram para o autor da possível façanha. O filho, Hamilton de 13 anos, nem sequer levantou os olhos e enquanto desenhava alguma coisa no papel.
“- A capital do Egito é Cairo.” – repetiu como que ratificando a sí mesmo.
“- C – A – I – R – O , gooool. Que chutão hein ?” Proferiu o pai “- Como você sabia ?”
“- Sabendo...”

Hamilton nunca fora um garoto muito falante, tirava boas notas na escola, gostava de jogar bola, mas nunca se destacou, passava mais tempo entre seu videogame e computador, navegando pela internet por horas a fio. Mesmo sabendo destes detalhes, as vezes eles pareciam completos estranhos vivendo dentro da mesma casa.

“- E qual é a capital da França ?” Perguntou o pai como se estivesse oferecendo um teste à altura para o filho.
“- Paris né pai, essa todo mundo sabe.”
“- E da Holanda ?”
“- Amsterdã...”
“- Como é que você nunca nos disse que sabe essas coisas ?” Pergunta o pai.
“- Ninguém nunca perguntou...”
“- Vamos comer que a comida não vai esperar pra esfriar gente !” Anunciou a mãe sem perceber o olhar de espanto do pai em direção ao seu garoto.
“- E a capital de Honduras ?”
“- Tegucigalpa...” Respondeu o filho que se encaminhava para a mesa.
 Detestava comer na mesa, gostava mesmo é de fazer as refeições vendo televisão ou lendo, mas sabia que a janta soberbamente preparada não lhe daria qualquer possibilidade de fugir do tradicional.

“- Tegucigalpa ? Isso não é uma cidade do México ?” Questionou a mãe. No entanto aparentemente o pai também não sabia a resposta a sua pergunta pois levantou-se e buscou socorreu no globo terrestre que ficava na estante do quarto do filho.

“- Não é que é mesmo ! Você sabe tudo quanto é capital ?”
“- Quase todas.” Respondeu o filho rapidamente repreendido pela mãe.
“- Não fala de boca cheia guri ! Pai, não vem pra mesa ? Não vai me fazer uma desfeita dessa né ?”

O pai, absorto por entre os continentes, viajava o dedo atravessando os países procurando de um que lhe parecesse impossível de ser conhecido pelo filho. Pensou em perguntar a capital daqueles países no meio da Europa, tão pequeninhos que o nome tinha de ser escrito lá no Pólo Norte. Não, esses, por ser difíceis deviam ser os preferidos do garoto.

“- Qual é a capital de Burkina Fasso ?” desafiou o pai com metade dos olhos por cima do planeta a mirar o filho.

Hamilton pela primeira vez não respondeu de imediato, antes levantou os olhos até os do pai. Uma dúvida talvez ? Talvez apenas procurando descobrir de onde o pai havia retirado o nome incomum daquele país. Encontrou-o atrás do Globo, atrás dos óculos, e sorriu de forma matreira para o pai.

“- Uagadugu !”
“- Mãe, cê viu ? O guri é um gênio!”

A mãe já um pouco chateada por não estar recebendo os parabéns que com certeza havia feito por receber, ostentava uma cara de poucos amigos, mas não deixou barato comentando:“- Puxou a mim, eu também era boa em Geografia no colégio.”

“- Nós tínhamos de levar o guri no Silvio Santos pra responder sobre as capitais dos países em todo mundo. Podíamos ganhar um milhão de reais.”
“- Deixa de besteira e come teu frango. Além do mais o Silvio Santos não tem um programa assim, tinha o Show do Milhão mas nem era sobre uma coisa só, tinha que responder sobre tudo quanto é coisa.”

“- Tem aquele outro do Céu é o Limite, não tem ? O J. Silvestre.” Disse o pai mais por fora que criança em casamento de igreja.
“- Credo em cruz, esse só no outro mundo que já morreu faz tempo. Não tem nenhum mais que faça isso.”
“- Nem nos canais a cabo ?”
“- Não que eu saiba.”
“- Que puxa... Que adianta saber de uma coisa se isso não serve pra nada?” resmungou o pai sem saber como tirar algum proveito de tão incomum descoberta. Na estante um quadro com a foto do casal, tirada quase 14 anos atrás em plena ilhas Bermudas, na viagem de lua-de-mel, onde a mãe decidira o nome que seu primeiro filho teria...

Decidiu finalmente pelear com o jantar, que, conforme as ameaças, já estava ficando frio mesmo.


** Nota: A capital das ilhas Bermudas chama-se Hamilton








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